Déficit: Nem tudo que parece é

Data da Publicação: 22/2/2016
Uma avaliação adequada dos resultados obtidos pelos fundos de pensão, incluindo aí eventuais déficits  e superávits, deve necessariamente medir a performance dos gestores em duas frentes: a do passivo atuarial e a do desempenho dos investimentos. Olhar apenas para uma dessas variáveis e ignorar o peso de ambas na equação final pode levar a erros de avaliação graves diante dos objetivos de longo prazo dos planos de benefícios administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
 
Segundo os dados mais recentes divulgados pela Previc, o déficit total do sistema atingiu R$ 60, 9 bilhões até o terceiro trimestre do ano passado. Esse resultado, porém, não pode ser avaliado apenas como decorrência da gestão de investimentos, avisam os especialistas. E nem se deve cair na tentação fácil da generalização. “Toda generalização é burra, ou seja, dizer que todos os planos superavitários possuem boa gestão de investimentos ou que todos os planos deficitários possuem má gestão de investimentos é uma simplificação que pode gerar muitas injustiças”, sublinha o diretor superintendente da Fibra e coordenador da Comissão Técnica Ad-hoc que tratou das novas regras de precificação de ativos, passivos e solvência da Abrapp, Sílvio Rangel.
 
“ As análises simplistas olham o déficit apenas em função de uma suposta má gestão de ativos, mas é preciso lembrar que tivemos durante muito tempo rentabilidades elevadas que cobriam todo o crescimento do lado do passivo atuarial”, reforça o presidente da Abrapp, José Ribeiro Pena Neto. “Esse histórico de rentabilidade diz que ainda seria possível estar com resultados positivos apesar da crise econômica e do menor retorno obtido junto aos mercados de investimentos, ou seja, fica claro que há uma componente importante representada pelo ajuste das hipóteses atuariais”, analisa Pena Neto.
 
A redução das taxas de juros atuariais, movimento que foi regido pela queda consistente da taxa Selic até meados de 2013, assim como a atualização das tábuas de mortalidade para formatos mais conservadores, fazendo frente à maior longevidade dos brasileiros, foram os principais aspectos que levaram ao aumento do passivo atuarial do sistema. Além disso, é preciso levar em conta os aumentos reais de salários dos trabalhadores empregados nas empresas patrocinadoras dos planos, outra fonte de pressão sobre os passivos, diz Rangel. O efeito produzido pelas demandas judiciais é outro aspecto importante, destaca Pena Neto.
 
 
Segurança e fundamentos – “Os ajustes atuariais, particularmente no caso das tábuas de longevidade, tiveram efeito importantíssimo sobre o valor dos passivos, isso no contexto dos últimos cinco anos e antes disso, quando foram feitas atualizações relevantes de tábuas refletindo o fato de que as pessoas agora vivem por mais tempo”, destaca o diretor de Assuntos Atuariais, Contábeis e Econômicos da Previc, Fábio Coelho. “Foi nesse cenário que vieram as mudanças das regras de solvência, para adequar os conceitos de equacionamento de déficit ou de distribuição de superávit às características e à realidade atual dos planos”. Como resultado das atualizações, ele avalia que os planos ficaram mais seguros porque as premissas passaram a refletir melhor a realidade, mas também houve a necessidade de recursos adicionais para cobrir esses ajustes, elevando os passivos. “Tão importante do que olhar para o tamanho do déficit, porém, é compreender sua natureza e a forma de endereçamento”, diz Coelho.
 
Sem generalizar mas olhando para o sistema como um todo nos últimos dez anos, pode-se dizer que o crescimento do passivo contribuiu de maneira expressiva para o déficit. “Se calculássemos o passivo com as mesmas hipóteses atuariais utilizadas antes dos ajustes, o sistema estaria superavitário”, acrescenta Sílvio Rangel: “Os ajustes fizeram com que o cálculo do passivo ficasse mais adequado à realidade do que era há dez anos, isso significa maior segurança para os planos mas, ao mesmo tempo, demanda maiores provisões para pagar os benefícios”. Tomando o exemplo da Fibra como ilustração, ele observa que apenas a mudança na hipótese de longevidade representou um aumento de 25% no passivo da entidade num  período de 15 anos.
 
Do lado dos ativos, o diretor da Previc lembra que a origem dos déficits tem fundamentos econômicos claros. “O déficit é significativo mas há explicações factíveis para sua natureza, há fundamento econômico para a queda da rentabilidade num contexto em que 20% dos investimentos dos fundos de pensão estão aplicados em renda variável e, apesar da boa remuneração na renda fixa, não podemos ignorar o impacto da renda variável”.  Além disso, Coelho enfatiza o impacto das carteiras de crédito privado, afetadas pela recessão econômica. A dinâmica dos mercados e a da inflação, que também produziu efeito desfavorável sobre a rentabilidade das carteiras, ajudaram a gerar o resultado negativo.  Para o diretor, a situação deficitária do sistema reflete um momento específico no ciclo econômico brasileiro e um movimento normal na dinâmica dos fundos de pensão, previsto  inclusive na elaboração das novas regras de solvência.
 
 
Impacto diferido – “O período de melhora da economia brasileira, com ganhos expressivos nos investimentos, permitiu que as EFPC ajustassem suas hipóteses sem ter que fazer novos aportes porque estavam superavitárias”, avalia Rangel.  Agora, por conta da situação dos mercados, o valor presente dos ativos caiu e muitas apresentam déficit. Como resultado, portanto, o agravamento das hipóteses atuariais feito há seis, sete ou oito anos e que não provocou impacto na época, teve seu efeito diferido e hoje, com a redução da rentabilidade dos ativos, contribui para os resultados negativos.  “Essa, entretanto, é uma abordagem geral e é preciso analisar detalhadamente caso a caso”, alerta Rangel.
 
O déficit atual ganhou impulso com os ajustes nas hipóteses atuariais, além da queda na rentabilidade por conta das dificuldades dos mercados em 2013, 2014 e 2015. “Retorno negativo na renda variável e uma grande volatilidade na renda fixa atrapalharam, assim como os investimentos feitos em FIPs (Fundos de Investimento em Participações) que deram maus resultados, foram alguns dos fatores”, ressalta o presidente da Abrapp. “Os fundos de pensão investiram em FIPs porque apostaram no crescimento sustentável da economia brasileira”. Quando se fala no tamanho do déficit, embora ele seja elevado, Pena Neto lembra que o total de ativos dos fundos de pensão cresceu expressivamente e hoje passa de R$ 700 bilhões: “Na comparação com os resultados de fundos de outros países, como EUA, Reino Unido e Holanda, esses percentuais não são tão assustadores”.
 
Na avaliação de Pena Neto, seria interessante que a Previc fizesse um estudo para segregar os resultados, deixando claro qual é a parcela do déficit que pode ser atribuída ao crescimento do passivo e aquela que fica por conta dos resultados de investimentos. “Um ativo bem gerido pode fazer frente ao exigível atuarial, mas é muito difícil que seja suficiente para cobrir os acréscimos do lado do passivo. Isso foi possível no passado mas não seria mais viável hoje”, diz o presidente. ( Martha E. Corazza )

 

Fonte:  http://diario.abrapp.org.br/Paginas/Detalhes.aspx?nId=38757
 

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